Plenitude
Manoel Bandeira
Vai alto o dia. O sol a pino ofusca e vibra
O ar é como de forja. A força nova e pura
Da vida embriaga e exalta. E eu sinto fibra a fibra
Avassalar-me o ser a vontade da cura
A energia vital que no ventre profundo
Da terra estuanta ofega e penetra as raízes
Sobe no caule, faz todo galho fecundo
E estala na amplidão das ramadas felizes
Entra-me como um vinho acre pelas narinas
Arde-me na garganta... e nas artérias sinto
O bálsamo aromado e quente das resinas
Que vem da exalação de cada terebinto
O furor de criação dionisíaco estua
No fundo das rechãs, no flanco das montanhas
E eu absorvo-o nos sons, na glória da luz crua
E ouço-o ardente bater dentro em minhas entranhas
Tenho êxtases de santo...Ânsias para a virtude
Canta em minh'alma absorta um mundo de harmonias
Vêm-me audácias de herói. Sonho o que jamais pude
-Belo como Davi, forte como Golias...
E neste curto instante em que todo me exalto
De tudo o que não sou, gozo tudo o que invejo,
E nunca o sonho humano assim subiu tão alto
Nem flamejou mais bela a chama do deserto
E tudo isso me vem de vós, Mãe Natureza!
Vós que cicatrizais minha velha ferida...
Vós que me dais o grande exemplo da beleza
E me dais o divino apetite da vida!
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